Cientistas debatem o uso de inteligência artificial no enfrentamento da COVID-19 e de futuras pandemias
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Produzido pela FAPESP em parceria com o Global Research Council (GRC), o evento foi moderado por Roberto Marcondes, professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) e membro da Coordenação Adjunta do Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP. Entre os palestrantes estavam Solange Rezende, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC-USP), em São Carlos; Alexandre Chiavegatto Filho, da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP); Wagner Meira Junior, do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICEx-UFMG); e Carolina Horta Andrade, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (FF-UFG).
Em sua apresentação, Rezende contou como, em 2020, quando ainda se sabia muito pouco sobre a dinâmica da pandemia, seu grupo trabalhou no enriquecimento dos modelos preditivos. Isso se deu pela incorporação, às bases de dados, de informações colhidas em notícias da mídia, relatórios, boletins, redes sociais e outras fontes.
Para colher as informações de interesse nos textos selecionados, o grupo recorreu à ferramenta de inteligência artificial chamada de “extrator de atividades nomeadas”, que utiliza regras que permitem reproduzir, de certa forma, as perguntas clássicas do bom jornalismo: Quem? O quê? Quando? Onde?
“As notícias, coletadas em plataformas altamente seletivas e protegidas das fake news, eram rastreadas o tempo todo. E a mineração possibilitava fazer a desambiguação dos termos encontrados e identificar, georreferenciar e relacionar os eventos. Com isso, estabelecer os padrões de evolução das curvas de contágio. Construímos modelos, ajustados diariamente, com a previsão do que iria acontecer nos próximos sete dias”, disse a pesquisadora (leia mais em: agencia.fapesp.br/32902/).
Chiavegatto Filho tratou de aprendizado de máquina (machine learning). E de como algoritmos inteligentes podem contribuir para a gestão de saúde, fazendo predições e orientando decisões que evitem uma nova pandemia.
De acordo com o pesquisador, isso poderia ser feito de duas formas complementares. A primeira pelo rastreio das redes sociais. “As pessoas gostam de se queixar nas redes sociais. E os algoritmos são capazes de monitorar queixas anômalas em determinadas regiões e em determinadas épocas. Em 2019, por exemplo, um grande número de queixas relacionadas com problemas respiratórios foi detectado na região de Wuhan, na China. Mas, infelizmente, o assunto não foi levado a sério naquela ocasião”, afirmou.
A segunda forma é monitorar os sistemas de saúde para saber que tipos de pacientes estão chegando, e com que frequência, às unidades de atendimento. “A descoberta de sintomas inesperados possibilitaria identificar a possível emergência de uma nova doença”, explicou.
Meira Junior lembrou que um tópico bastante complexo no caso da COVID-19 foi o das fontes de dados. O tema foi rapidamente politizado e polarizado nas redes sociais, com propagação de fake news e denúncias de subnotificação ou de supernotificação de casos.
O pesquisador da UFMG apresentou três critérios que devem nortear a qualidade dos modelos. “O primeiro, caracterizado pela expressão ‘justiça algorítmica’, é que os modelos não podem discriminar ou enviesar. O segundo é a ‘responsabilidade algorítmica’. Quem ou o que é responsável por um eventual erro? O terceiro é a ‘transparência algorítmica’, que possibilite aos profissionais de saúde entender o que sai do modelo e os empodere para decidir melhor.”
Considerando esses critérios, ele enfatizou a necessidade de que os sistemas atuais sejam refeitos.
Na quarta e última palestra do webinário, Andrade tratou da descoberta de novos fármacos por meio da inteligência artificial. O objetivo é abreviar e baratear um processo que, tradicionalmente, é extremamente caro e pode demorar até 15 anos ou mais. “Para cada conjunto de 10 mil compostos considerados na etapa inicial, apenas uma droga é efetivamente aprovada. E os investimentos necessários para colocar um fármaco no mercado são estimados entre US$ 2 bilhões e US$ 13 bilhões”, informou.
A inteligência artificial pode auxiliar em várias etapas. Por exemplo, no planejamento e desenho de moléculas. “Recentemente, por meio de inteligência artificial, pôde ser desenhada, sintetizada e validada uma nova droga em apenas 46 dias”, disse Andrade.
Como ponto de partida, repositórios públicos, como PubChem e ChEMBL, já possuem uma formidável base de dados, com informações químicas e biológicas sobre mais de 100 milhões de compostos, cada qual com ao menos uma atividade biológica reconhecida. “Com aprendizado de máquina supervisionado, é possível utilizar esses dados para construir modelos que possam ser validados estatisticamente. E, eventualmente, empregados para a predição de novas moléculas”, resumiu a pesquisadora.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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